Fernando Cyrino

Caminhando e saboreando a vida.

Textos

MENINO PASSARINHO (ec)

Era uma vez um menino sem nada de especial, só que um pouco estranho. Afora essa esquisitice, tratava-se de um garoto como qualquer outro da sua idade. Um desses que a mãe reclama por ter mãos e unhas sujas; não lavar direito o pescoço e muito menos atrás da orelha. Um pirralho que até, vejam só, gostava de enfiar o dedo no nariz. Mas será que pode haver uma criança triste?

Parece que não, mas o nosso amiguinho era assim – daí a sua estranheza - não sorria e se não é fácil que haja criança tristonha, então o menino dessa história não era lá muito normal. Sua tristeza se dava por três motivos: o primeiro é que seu pai fora embora, o outro porque sentia muita falta da mãe, obrigada a trabalhar demais para sustentar a casa. Por último havia a dúvida que ele carregava se achando uma criança adotada e nem tão amada assim.

Uma noite, antes de dormir, ele até conseguiu dizer para ela dessa primeira parte da suspeita e claro que a mãe riu bastante e lhe garantiu que aquilo era bobagem e que ele havia saído mesmo era da sua barriga. Só que não lhe mostrou fotos de ela grávida e muito menos de ele bebê e mamando em seus seios. Um pouquinho só de convencimento ele teve, mas passado um tempo mesmo aquele restinho de acreditar se acabou. Voltou a achar que aquela fora uma mentira que ela lhe contava para que jogasse a tristeza no lixo.

O que ninguém sabia era que o nosso amiguinho tinha um sonho. Algo que, ele tinha certeza, o tornaria feliz. O garoto desejava demais se transformar em um passarinho. Ser livre podendo ir e vir para qualquer lugar. Voar com um tanto de coleguinhas, cantar, brincar, banhar-se nas poças de chuva, ter a alegria enfim que ele sentia que todo pássaro devia de viver. E foi numa manhã chuvosa de um dia comum que a fada, num raio de luz, surgiu. O que ela lhe afirmou foi que lhe dava o direito de realizar um pedido, qualquer que fosse, que pelo poder de sua varinha mágica ele lhe seria concedido.

E o nosso herói nem pensou duas vezes: “quero ser um passarinho azul!”, foi o que falou quase gritado. A fada fechou os lindos olhos negros, sussurrou umas expressões estranhas, levantou a cabeça e por fim bateu na testa do menino com a ponta daquela varinha brilhante. Ele sentiu um estremecimento interior, uma coisa bem estranha, e ao tentar coçar o nariz descobriu que ao invés de dedos agora eram penas azuis que ele possuía. E mais ainda, nariz nenhum passara a ter, as penas raspavam era no seu bico. Assustado chamou muito a tal fada para que desfizesse o encanto, mas som que saiu da sua boca, aliás do bico fininho, foi um trinado e fada por ali não tinha mais nenhuma.

Um passarinho amarelo então apareceu e na língua cantada que só as aves entendem, o alertou para que voasse, eis que se permanecesse ali naquele chão, seria presa fácil para o gato que, lá da porta da casa, espreitava a cena. O menino, que já não era mais menino, tentou argumentar que voar ele não sabia, mas gaguejou nos pios. Pelo sim, pelo não abriu as asas e viu que era fácil demais alçar voo. Pulou para o beiral da casa e olhando para baixo reparou o quanto as coisas vistas do alto se tornavam diferentes, mais bonitas.

Foi aí que ele começou a se sentir feliz e então resolveu explorar o mundo. Conheceu os galhos da mangueira e a ponta do alto do abacateiro. Foi até os quintais vizinhos, atravessou muitas ruas, para lá e para cá, várias vezes sem ter ninguém para lhe segurar a mão e lhe ordenar que tivesse cuidado. Voou a toda força rumo ao alto, o máximo que conseguiu, até chegar perto das nuvens e viu, bem longe, de um lado o mar e do outro a montanha imensa a tentar espetar o céu. E o menino tornado passarinho estava alegre e aprendeu a comer grãos, bicar frutos nas galhadas, ciscar o chão tomando cuidado, isto ele já tinha aprendido, com os cachorros e gatos.

Seguia dentro dele essa satisfação até chegar a tarde e foi então que lhe veio também as saudades da sua mãe, da comida, da casa e da sua caminha quente. Então quis retornar para casa, mas se viu perdido, sem saber para que lado mesmo ele morava antes da aparição da fada. Voando em círculos à procura do lar, os ouvidos do passarinho menino se depararam com muitos cantos de pássaros. A diferença é que aquelas cantorias não lhe pareciam alegres. Tinham algo de melancólico, de triste mesmo, naquelas notas bonitas. Atrapalhado das direções, resolveu baixar para pedir informações àqueles companheiros cantores. Achou interessante que eles estavam cada qual em uma casinha e que nem precisavam voar para buscar água e comida. Foi ao pousar sobre uma daquelas gaiolas para indagar sobre a sua rua e casa que ele sentiu os pés presos.

Um menino, bem maior do que ele era até aquela manhã, veio correndo e o segurou. Ele, no desespero que sentia para fugir dali, tentava de todas as formas contar para ao garoto grandão que não era um passarinho, mas que era gente tal qual ele. Só que o jovem desentendia daquilo. O que ele demonstrava mesmo era o tamanho da sua felicidade por ter pego mais uma bela ave para a sua coleção de gaiolas.

Este conto faz parte dos exercícios criativos tendo por assunto: As mentiras que me contaram. Venha conhecer outras obras dentro do mesmo tema em:
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Fernando Cyrino
Enviado por Fernando Cyrino em 22/05/2017
Alterado em 17/05/2021


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