Fernando Cyrino

Caminhando e saboreando a vida.

Textos

UM MUNDO NOVO 

O céu naquele dia vestia-se com um azul diferente, tão bonito que parecia insistente para que o olhasse, para que não deixasse de admirá-lo. Do lado de lá o sol, ainda no colo das árvores do alto do morro, espreguiçava-se esticando raios para os lados e para o alto.

No meio desse encanto e vendo que estava fora de rumo, foi que me apareceu a penitente. Não sei se saída das matas, ou se vinha caminhando pela trilha. Aquela era uma estradinha tão insignificante que não se sabe onde tenha nascido
 e vai até o lugar nenhum de se bater o rosto em alguma porteira fechada. Vestia uma longa roupa que só deixava ver o miolo da cara e as mãos. Um vestido marrom que nem sei se era assim por conta da sujeira, ou porque possuia essa cor e jeito desde novo. Na mão esquerda o chicote das penitências, na direita o rosário e no rosto cinzas da fogueira que deve ter sido apagada quando do amanhecer. Cantava ladainhas em língua de padre antigo.

Ao passar tentei não demonstrar desassossego e mesmo nojo daquele ser tão sujo e descompassado da realidade. Pois não é que ela reparou na minha aflição? "Pois se pensa que sou lazarenta se engana. Não possuo chagas. Venho e vivo limpa de corpo e mais ainda de alma." Falou meio gritado mostrando indignação. Pedi desculpas dizendo que o que achei foi um pouco de estranheza no jeito de ser dela. Tirei o chapéu e lhe ofereci a minha saudação de Deus esteja, afiancei que estava vindo em paz, que sou da paz e desejava seguir com mais paz ainda para adiante, até porque estava perdido por aquelas bandas. Ela se ajoelhou, falou umas rezas com palavras bem rápidas. Levantou-se em seguida e deixando rosário e chicote no chão ergueu os braços e me abençoou, não sem antes dizer que estava no comecinho do início, do se dar o primeiro passo da reforma do mundo. Disse isto e me olhando nos olhos indagou-me se não queria compor com ela naquela empreitada.

Conversas de gente maluca dão vontade de risos, entram por um ouvido e saem pelo outro. Ali naquela hora mesmo de escutar tal sandice, nem tomei tento de que fosse de alguma mínima importância. O que não sabia era que no devagarzinho do passar das horas e dos dias aquelas palavras estranhas foram me abraçando, até que me tomaram inteirinho. Passei a achar que ela está correta e que o mundo precisa mesmo de vasta e radical reforma.

Encontrei meu rumo e cheguei onde precisava ir. Depois voltei para casa e a reforma do mundo era só o que havia morando em minha cabeça. Não viraram nem três luas e estava me despedindo da vidinha de até então. Soltei os bichos nos pastos, abri gaiolas dos passarinhos, desfiz cercas de galinheiro e dos chiqueiros, aterrei mata-burros, distribui os trens para os pobres e até tentei espantar os cachorros. Vesti roupa comprida marrom, de saco. No fogão frio apanhei um bocado de cinza e passei no rosto.

Daqui de baixo da gameleira vejo a casa queimando. Fogueira grande, tão bonita. Em pouco tempo serei livre e desse jeito seguirei em busca da profeta. Construiremos um mundo novo. Que Deus nos ajude.


 
Fernando Cyrino
Enviado por Fernando Cyrino em 09/05/2016
Alterado em 15/09/2016


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