Fernando Cyrino

Caminhando e saboreando a vida.

Textos


Escondida sob as árvores da floresta mais distante morava a tribo dos Yacoretaru. Era gente normal que tocava a vida sem maiores pretensões. Caçavam para se alimentar, colhiam na mata o que precisavam para reforçar a comida, faziam festas, choravam os que morriam, lutavam contra seus inimigos.

Mas havia algo que deixava os homens daquele povo totalmente fora de si. Eram apaixonados pelos adornos de ouro. Quanto mais enfeites dourados algum possuía, mais considerado pelos demais e desejado pelas mulheres se tornava.

Por conta desse descontrolado desejo eram capazes de incríveis façanhas. Afundavam-se em perigosas águas, cavavam fundos poços, escalavam as mais altas montanhas. Chegavam a brigar feio e até mesmo muitas mortes aconteceram por isto.

Uma tarde, dia de muito calor, aconteceu algo por demais fantástico e que mudou a vida daquela gente. Após grande tempestade, ao saírem de suas choupanas, tomaram baita susto. O mundo estava colorido. Tudo, durante aquele momento sublime, adquirira lindas tonalidades. É que um dos pés do arco-íris posicionara-se exato sobre a aldeia, enquanto o outro se perdia lá para as bandas do horizonte.

Estavam encantados. Tupã os tinha mirado com carinho e os cobrira de bênçãos. Por uma lua houve festa. Os homens ostentando seus preciosos colares de ouro. Mulheres e crianças adornadas com lindas penas. Cantaram demais, beberam muita pinga, comeram um tanto de beiju. Dançaram o tempo todo. Aquele povo estava verdadeiramente feliz.

Passadas sete luas e a vida tinha retornado ao seu ciclo normal. Pouco se falava daquele evento mágico. Foi então que, no meio de uma noite, Aretetê foi vista caminhando com dificuldades rumo ao igarapé. Ia trazer seu filho ao mundo. Nasceu lindo e saudável menino. Mãe chorando do parto e de alegria e a criança do susto por aquele mundo estranho e também para que seus pulmões se abrissem.

Foi aí que Aretetê, que antes nunca parira, notou algo diferente. É que as lágrimas do filho caiam ao chão e brilhavam. Sentada na areia, dando o primeiro de mamar, reparou mais de perto naqueles pontos dourados.

Surpresa, tanto quanto estivera naquele dia mágico, constatou que as lágrimas haviam se transformado em pequeninas pepitas de ouro. Apanhou-as cuidadosa e as colocou na pequena bolsa de palha.

Em casa, na alegria de apresentar o novo indiozinho à tribo, até se esqueceu das joias guardadas. Lembrou-se mais tarde quando a criança, esfomeada, chorou. Duas pepitas saltaram no piso de terra batida. Foi aí que Aretetê cometeu seu grande erro. Mostrou ao marido aquilo que tinha trazido e as duas pedrinhas no chão.

Pacaravetu ficou feliz demais. Até porque tinha poucas joias e agora, com aquelas presenteadas pelo filho, deixara de ser um rapaz pobre. Transformara-se em homem rico. Aquilo iria impressionar deveras seus amigos. O casal, obviamente, não guardou segredo daquilo e em pouco tempo toda a tribo era sabedora do milagre.

Nas voltas que a lua dava mais mulheres iam ter filhos nos córregos. Algumas pariam crianças produtoras de lágrimas de ouro. Outras não. O pajé então definiu que as agraciadas haviam sido as que passaram, naquele dia maravilhoso, pelas sete cores.

No começo os pais daqueles especiais das lágrimas douradas, sabiam ter paciência aguardando o choro dos bebês para adquirirem ouro. Só que aos poucos foram ficando ansiosos e, para que chorassem, faziam caretas, os assustavam e até os deixavam com fome ou frio. Daí para que lhes dessem umas palmadas e dessas até às surras para que berrassem bastante, foi um passo dado em poucas luas.

Os maridos daquelas mulheres que não haviam sido beijadas pelas sete cores, brigavam com elas por gerarem crianças com lágrimas normais. Os daquelas outras que, quem sabe, podiam até ter sido agraciadas pelo arco-íris, mas que por causa das leis da vida, eram incapazes de guardar filho na barriga, também criavam conflitos com as esposas, reclamando por terem se tornado velhas.

Em pouco tempo a vida na tribo tinha se tornado bem ruim. Passou a ser um inferno naquela noite em que a primeira criança, de tanto apanhar do pai, faleceu. Depois dessa os outros garotos mágicos também foram, pouco a pouco, fruto de maus tratos, morrendo.

Outro dado interessante era que aquelas lágrimas eram uma prerrogativa dos homens. Não eram possuídas pelas suas irmãs e o que ocorreu foi que, passado um tempo por lá não existiam mais meninos. Quando a primeira garota, que não tinha vivido o dia das cores, casada com um viúvo, teve o primeiro filho, constatou aterrorizada que o milagre não estava restrito à primeira geração.

Seu filho também acabaria morto por conta da ganância pelo ouro. Apanhou no chão as pedrinhas e, com medo e raiva, as arremessou no leito do rio. Ao voltar para casa seu marido e os demais homens estavam aflitos. Nem queriam ver o bebê. Só tinham interesse mesmo era para saber se o milagre se mantinha.

Mas a nova mãe, espertamente, disse que não. Que o choro dele era água pura. Não tinha nada de extraordinário. A partir daquele dia todas que geravam filhos de olhos encantados, não deixavam ninguém saber que eram criadores de ouro.

Após chorarem, escondiam as pepitas e depois as lançavam nos rios ou as enterravam naqueles buracos, nos quais tinham procurado ouro e nada em seu fundo havia sido encontrado. Por lá, lugar blefado, como diziam, ninguém mais iria se arriscar ao garimpo.

Mas havia outro problema. Aqueles guris iam crescendo e se chorassem perto de algum homem ele logo descobriria o segredo e o faria chorar até que morresse. As mães combinaram então de ensinar aos filhos que jamais chorassem em público.

Por isto naquela tribo, até hoje, só as mulheres choram. Porque, desde cedo aprenderam a não chorar, os homens de lá acabaram por se tornar excessivamente sérios. São incapazes de um mero sorriso e só pensam em ouro, lutas e guerras.

Há gente que acha também que estes ouros que os garimpeiros encontram na floresta e nos leitos dos seus cursos d’água, nada mais são do que as antigas lágrimas daqueles pobres meninos assassinados
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Fernando Cyrino
Enviado por Fernando Cyrino em 11/11/2013
Alterado em 22/03/2017


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