Fernando Cyrino

Caminhando e saboreando a vida.

Textos


Jesus nos alerta para o abismo gerado pelo egoísmo - Liturgia da Missa - Reflexão sobre a Mesa da Palavra - Ano C - 26 Domingo do Tempo Comum

Jesus disse aos fariseus: 'Havia um homem rico, que se vestia com roupas finas e elegantes e fazia festas esplêndidas todos os dias. Um pobre, chamado Lázaro, cheio de feridas, estava no chão à porta do rico. Ele queria matar a fome com as sobras que caíam da mesa do rico. E, além disso, vinham os cachorros lamber suas feridas. Quando o pobre morreu, os anjos levaram-no para junto de Abraão. Morreu também o rico e foi enterrado. Na região dos mortos, no meio dos tormentos, o rico levantou os olhos e viu de longe a Abraão, com Lázaro ao seu lado. Então gritou: 'Pai Abraão, tem piedade de mim! Manda Lázaro molhar a ponta do dedo para me refrescar a língua, porque sofro muito nestas chamas'. Mas Abraão respondeu: 'Filho, lembra-te que tu recebeste teus bens durante a vida e Lázaro, por sua vez, os males. Agora, porém, ele encontra aqui consolo e tu és atormentado. E, além disso, há um grande abismo entre nós: por mais que alguém desejasse, não poderia passar daqui para junto de vós, e nem os daí poderiam atravessar até nós'. O rico insistiu: 'Pai, eu te suplico, manda Lázaro à casa do meu pai, porque eu tenho cinco irmãos. Manda preveni-los, para que não venham também eles para este lugar de tormento'. Mas Abraão respondeu: 'Eles têm Moisés e os Profetas, que os escutem!' O rico insistiu: 'Não, Pai Abraão, mas se um dos mortos for até eles, certamente vão se converter'. Mas Abraão lhe disse: `Se não escutam a Moisés, nem aos Profetas, eles não acreditarão, mesmo que alguém ressuscite dos mortos'.' Lc 16,19-31

Era uma vez um rei muito poderoso. Um bando de cachorros vadios morava nos muros do seu castelo. Nos invernos, por não ter como se proteger, a matilha passava grande frio. Nessa época, não só os vira-latas, mas também as pessoas da redondeza, também sofriam muita fome, já que a comida naquela região praticamente acabava. O pouco que se produzia era encaminhado aos aposentos reais. Lá dentro do palácio vivia também um cão. Este era de raça e muito bonito. A rainha, sua dona, o penteava todo dia, alimentava-o com rações as mais caras e cuidava para que não lhe faltasse nada. Bem no alto das muralhas do castelo o cãozinho observava os seus irmãos que viviam embaixo mas, apesar de ter sido, com latidos alegres vindos lá do chão, convidado a visitá-los, decidiu que nunca iria até eles. Afinal, não eram cachorros da sua classe. Dessa forma os ignorou totalmente.O monarca, a cada tempo de fome e miséria no reino, tinha aumentado o medo que possuía do povo. Receava que os pobres invadissem o palácio. Por isto, aumentava as defesas e fazia crescer o fosso em volta da fortaleza. Depois da última reforma, vista desde lá de baixo, nem dava mais para identificar se aquela silhueta nas alturas, seria de cachorro ou de algum outro animal. Distantes de todos, ele e seus donos reais, viviam cada vez mais alienados.Uma noite, os vira-latas acordaram sentindo calor e em meio a um estranho clarão. Parecia até que o dia chegara mais cedo. Olhando assustados para cima eles viram que tudo ardia em chamas. Numa quina do muro conseguiram enxergar a sombra de um cachorro desesperado. Só que mesmo querendo ajudá-lo, não tinham como fazê-lo. A distância havia se tornado tanta que nem lhes era possível ouvir seus latidos.

O modelo econômico dos tempos de Jesus, como o que vivemos atualmente, era também gerador de muita pobreza e exclusão. Enquanto havia alguns que tinham demais, O povo vivia sem ter praticamente nada. O evangelista Lucas, sempre atento à realidade social, traz-nos hoje uma parábola para mostrar o que esta distância entre ricos e pobres é capaz de gerar.

O rico, por confiar totalmente nos seus bens, esquece-se de que a vida se faz através de comunhão com os irmãos. Preso ao seu egoísmo ele vai se tornando cada dia mais fechado e longe da realidade que o cerca. Vive na ilusão de que a riqueza preenche o coração e gera felicidade. Não nota que à sua volta há gente que precisa dele. Ao invés de usar o tempo da vida para criar laços, gasta o dia acumulando coisas, que não lhe servirão em nada para a eternidade.

A opção que faz pelo fechamento vai criando um abismo, separando-o da realidade do mundo. A tendência deste buraco é crescer, da mesma maneira que também aumentava o muro do castelo na nossa historinha. Vai ficando tão grande, que quando o que vive isolado sente necessidade do outro, é impossível que possa ser ajudado.

Nada muito diferente do que vivemos nas grandes cidades. Os condomínios vão se fazendo ilhas. Seus muros e grades, cada vez mais altos e os sistemas de segurança sempre mais avançados, exercem o mesmo papel desse precipício do Evangelho.

Uma leitura mais descuidada do texto pode passar a impressão de que Jesus, com esta história quer dizer que, automaticamente, o rico se condena e o pobre se salva. Não é este o recado.

O que a parábola quer nos mostrar é que precisamos “escutar os profetas”. E ouvi-los é o mesmo que se colocar no caminho da conversão. A necessidade da mudança é de todos: ricos e pobres. Jesus, através de Lucas, quer nos alertar que a conversão precisa se dar enquanto é tempo, ou seja, enquanto vivemos neste mundo. É aqui que construímos as pontes que nos levam aos irmãos, ou os abismos e muros que nos afastam, talvez irremediavelmente, deles.

É uma parábola sem dúvidas muito forte, eis que nos demonstra ser esse tempo da vida o único capaz de gerar conversão. Reparem que o rico, nem em meio aos sofrimentos atrozes se transforma e volta o olhar e pensamento para os que estão fora, mas continua preso à sua vida egoísta do passado. Sua preocupação restringe-se ao pai e irmãos. E Jesus completa afirmando que se não acreditamos nos profetas, nem se um morto ressuscitar creremos nele. E lembremos que Ele ressuscitou e, mesmo assim, tantos não creram e nem buscam acreditar nele.

O profeta Amós na primeira leitura é incisivo com aqueles que se sentem seguros por possuírem poder e coisas. O sentido da vida vai muito além da confiança naquilo que é efêmero. Por isto, inicia sua advertência com esse “ai”. Quem pensa que por ter poder e dinheiro tem tudo é um coitado, eis que não está gerando na vida o que conta para a eternidade.

Para reflexão:


- Em que me identifico com o homem rico e preciso converter-me?

- O que tenho feito para que haja mais justiça social?

- Construo “pontes”, ou deixo que cresçam “muralhas e abismos”?


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Fernando Cyrino
Enviado por Fernando Cyrino em 20/09/2013
Alterado em 23/09/2022


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