Fernando Cyrino

Caminhando e saboreando a vida.

Textos


Só o Amor nos salva - Liturgia da Missa – Reflexões para a Mesa da Palavra – Ano C – 5º Domingo da Páscoa 

Depois que Judas saiu do cenáculo, disse Jesus: “Agora foi glorificado o Filho do Homem, e Deus foi glorificado nele. Se Deus foi glorificado nele, também Deus o glorificará em si mesmo, e o glorificará logo. Filhinhos, por pouco tempo estou ainda convosco. Eu vos dou um novo mandamento: amai-vos uns aos outros. Como eu vos amei, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros. Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns aos outros”. Jo 13, 31-35

Um gordo pato. Este foi o presente ganho por Nasrudin, o Mulah. Feliz com a iguaria ordenou aos empregados que preparassem deliciosa sopa. A ave no fogo e chega um primo para um dedo de prosa. Sente o odor vindo da cozinha e pergunta ao mestre se haverá pato no jantar. Nasrudin não tem saída e convida o parente para comer. Do outro lado o vizinho também sente o aroma no ar e lá da cerca indaga de Nasrudin que comida era aquela com cheiro tão gostoso de pato? E o religioso também o chama e ele vem com a família. Daí que a casa foi ficando cheia. O primo partiu e deu com a língua nos dentes contando de comida tão apetitosa. Então bate à porta um homem com seus filhos. Apresenta-se como primo do primo de Nasrudin e que tinham vindo provar da saborosa e elogiada comida. Nem bem havia entrado o grupo e chega mais gente. Era agora o vizinho do vizinho que pedia para comer do pato. E assim vieram os parentes do vizinho, a mãe do primo de Nasrudin e suas amigas, a cunhada de um parente desconhecido e tanta gente mais. A cada um que chegava o Mulah enviava recado aos cozinheiros para acrescentarem mais água à sopa. O último a aparecer foi o amigo do primo, do cunhado, do filho do vizinho de um seu compadre. Disse saber do manjar e que viera para experimentá-lo, sabedor que era da hospitalidade do dono da casa. Só que ao provar sua tigela fez careta. Mas, senhor, isto não é sopa, é somente água e das sujas. E Nasrudin o contesta que não. Simplesmente havia lhe servido a sopa, da sopa, da sopa, da sopa do pato.

Há palavras que são tremendas. Exigentes por demais elas possuem tamanha profundidade que somos, literalmente, incapazes de adentrar plenamente no seu âmago. Por mais que se tente será sempre ao seu redor que estaremos. Amor é uma delas.

Esses termos melhor seria que fossem usados com cuidado e até mesmo alguma parcimônia. Assim, toda vez que fossem pronunciados perto de nós, que tivéssemos no mínimo um estremecimento. Fossem elas sempre impactantes e surpreendentes.

Reparemos como isto não tem ocorrido. O termo Amor é tão usado e serve para atender a uma gama tão grande de sentidos, que terminamos nos acostumando com ele. Assim, usado ao léu, terminou se liquefazendo. Perdeu vitalidade, teve diluída a sua força e substância. Acabou por se tornar a sopa, da sopa, da sopa da história de Nasrudin.

Vocês que acompanham estes comentários, por certo que já repararam que sempre que a redijo, o faço com letra maiúscula: Amor. Assim procuro reforçar, para mim mesmo, que estou diante de algo ao qual devo me prostrar em reverência. Não por acaso, o próprio São João em outra parte do Novo Testamento nos dirá que o Amor é Deus!

Soma-se a esta vulgarização de uso o fato, também significativo, de que vivemos em meio a uma sociedade extremamente competitiva. Isto denota que, implícita ou explicitamente, nossos filhos desde que nascem vão aprendendo que devem lutar, para serem melhores e maiores do que os demais. Incluem-se aí, claro, seus irmãos e amiguinhos.

Em tal atmosfera de disputa torna-se muito difícil e complicado entender a lógica do Evangelho deste domingo. O mandamento é para que amemos uns aos outros e assim possamos crescer juntos, solidariamente. Enfim, salvarmo-nos todos e não individualmente, como o sistema quer nos fazer entender.

A competição exacerbada gera a exclusão e esta, pouco a pouco, vai minando a solidariedade e a compaixão. Torna-nos, cada dia mais, “independentes” dos demais. Ao final,  é capaz de fazer até que se termine por cultivar uma espiritualidade bastante individualizada. A uma religião na qual se busca a salvação de maneira egoísta, cuidando apenas de si e daqueles mais próximos, a família, principalmente. Os demais, caso haja tempo e boas condições, poderão até vir a serem cuidados, ou o que costuma ser mais usual, se rezará por eles. 

Amor é palavra que não comporta nenhum tipo de exclusão. Se crermos que Deus ama a todos os seus filhos, devemos aceitar também que não deixará que nenhum deles se perca. Nosso Deus é o Bom Pastor e Ele não perde nenhuma das suas cem ovelhas.

É como na história do agricultor que conseguiu, após anos de trabalho, sementes de feijão que lhe propiciavam colheitas bem maiores do que aquelas auferidas pelos vizinhos. Mas seu feijão não era exclusivo. Ele sempre reservava algumas das boas sementes para presentear a vizinhança.

Como tal procedimento caminhava contra a lógica capitalista, foram lhe perguntar o porquê daquelas doações. A resposta foi simples. Os bons insetos que polinizam as plantas não reconhecem cercas. Do mesmo jeito aqueles maus que carregam pragas, tanto vão lá nos vizinhos, quanto vem pra cá. Precisamos melhorar juntos as plantações. Quanto melhor for o feijão de todos, mais protegidos estaremos e assim cresceremos juntos.

Numa linguagem religiosa a metáfora do fazendeiro poderia dizer: “nos salvaremos juntos”. Por isto, não podemos ter pessoas, muito menos grupos, ou comunidades ilha. Cristãos que se acham salvos e melhores do que os demais, somente se relacionando entre os seus. Na lógica de Jesus, ou todos estamos bem, ou necessitaremos do Senhor para que nos faça compreender que há de se crescer juntos.

Desde o Primeiro Testamento o mandato para que nos amássemos uns aos outros era por demais conhecido. Ele é parte primordial da Lei entregue por Deus a Moisés no Monte Sinai. Só que tal diretriz será por Jesus ampliada mais ainda. Amar as pessoas como se ama não é o bastante.

Para o cristão se pede mais. A medida do Amor no mandamento de Jesus deixa de ser humana e se torna divina. O Senhor se torna a régua. só que uma régua sem limites.

Devemos amar não mais como nos amamos, o que já nos é quase impossível, mas como Ele nos ama. E sabemos que sua entrega de Amor é total. Jesus, ao contrário da gente que costuma se preservar dando coisas, dá-se a si mesmo. E faz isto pela palavrinha essencial e tremenda do Evangelho de hoje.

Pistas para reflexão:

- Como está a minha sopa de Amor? Consistente ou aquosa?

- De que maneira busco a salvação? Sozinho, ou comunitariamente?

- Distribuo alguns dos meus bons "feijões"? 

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Fernando Cyrino
Enviado por Fernando Cyrino em 21/04/2013
Alterado em 12/05/2022


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