Fernando Cyrino

Caminhando e saboreando a vida.

Textos


Habemus Papam - mais que comédia a ser vista, um filme para alimentar muitas reflexões.

Há nas telas do país um filme interessante e, a meu ver, excelente para a nossa reflexão como cristãos, filhos da Igreja a qual muito amamos. Trata-se de Habemus Papam do diretor italiano Nanni Moretti.

O pontífice está morto. Ao término das celebrações de suas exéquias, os cardeais se reúnem para o conclave que escolherá seu sucessor. Está aí o argumento inicial para a história que Moretti, um ateu, diga-se de passagem, nos quer contar.

Nas comédias é comum que se busque ampliar comportamentos. Afinal a motivação é que se faça rir. Por isto, antes de comprar o ingresso para a sala, é preciso ter a mente aberta para compreender assim, aumentadas até que se assemelhem à caricatura, algumas condutas dos personagens retratados.

Como em todo conclave há aqueles cardeais considerados pelos vaticanistas e a imprensa, como naturais candidatos à sucessão. Nenhum desses é escolhido. Após rodadas nas quais acontece o impasse entre os mais cotados, surge um novo nome. Trata-se de Melville, um cardeal que nem era visto nas cenas do conclave, que passa a receber os votos de seus pares e assim é eleito papa.

A crise lhe chega imediata. Sente-se incapaz para tão árdua missão. “Sou para ser dirigido e não para liderar” ele dirá em determinado momento. A fumaça branca subiu aos céus de Roma. A frase tradicional, “Habemus Papam”, pronunciada à janela pelo cardeal camerlengo, mas o eleito, já então devidamente paramentado, não sai.

Até aí vai o filme. Para a nossa reflexão trago quatro pontos, que muito me falaram ao assistir e, por que não, me encantar com a película.

1 – A humanidade na Igreja. A realidade pós-moderna a cada dia se apresenta mais complexa. A mudança, sempre presente entre nós, é outra. Ela é mutante em três dimensões: bastante rapidez, maior profundidade e muito mais volume. Os cardeais, mesmo que de alguma forma caricaturados, têm consciência disto e rezam para não serem escolhidos. O que até agora só fazia parte do nosso imaginário, torna-se realidade no filme. Estamos diante de um escolhido que se sente incapaz frente à realidade tão multiforme e a exigir novas posturas e ações na instituição que irá dirigir. Mesmo tendo a força e luz do Espírito Santo a guiá-la, a Igreja é composta de seres humanos. Todos com suas angústias, limitações, fraquezas, riquezas, potencialidades e santidades.

2 – As janelas do papa. Num determinado momento da história, torna-se necessário mostrar que o papa se encontra recolhido aos aposentos. E lá ele não estava. Um guarda suíço recebe então as ordens para, de tempos em tempos, mover as cortinas do seu quarto. Não sei até quando o diretor desejou que víssemos aí uma metáfora do Vaticano II. Importa que tal cena nos faça recordar a intuição de João XXIII, ao convocar o Concílio, para que se abrissem as janelas da Igreja. A alusão nos traz aos olhos o momento atual da sua recepção, cinquenta anos após entre nós, quando se costuma sentir os ventos frios do “inverno eclesial”. Há que se balançarem as cortinas, mas as janelas precisam ficar fechadas, como se o medo do mundo, tão evidente no Primeiro Vaticano e tão exorcizado no Segundo, tivesse voltado e então é preciso “defender” a Igreja... Não por acaso, quem balança as cortinas é um soldado e sem dúvidas, que Melville, como o bom João XXIII, também se sugere ser um papa de transição.

3 – O papa e o povo. Um momento bonito do filme nos mostra o papa junto aos seus filhos. Não se mantém separado, mas vestido como qualquer mortal. Lá está ele a caminhar em meio aos jovens e a tanta gente que se mantêm na Praça aguardando sua manifestação. Povo esse incapaz de reconhecê-lo, eis que não tinha tido ainda o nome divulgado. Em meio à humanidade, dentro e fora do Vaticano, o papa irá buscar ajuda das ciências humanas para a sua crise, no caso a psicanálise e essa se dá através de um casal divorciado.

4 – O papa e as estruturas. Quem lida no mundo corporativo é sabedor do tanto nas grandes instituições as estruturas terminam por engessá-las. Deixam-nas lentas e dissociadas da verdade do mundo real. No filme acontecem várias mentiras, até o papa mente. Mais do que as explícitas e que são evidentes e amplificadas na película, é preciso se tomar cuidado entre nós na Igreja, com a tentação do fechamento. Ocorre que para permanecerem fortes as estruturas vão perdendo, pouco a pouco, em transparência e abertura. Isto se evidencia mais ainda nas crises. Envoltos nas dificuldades e sem saber lidar com elas, opta-se pelo fechamento. Ao agir assim tornam-se especialistas em omitir, mais do que se apresentar, através de janelas bem abertas. No filme esse pecado aparece bem claro, ao se ocultar, com o uso da mentira, o que na verdade acontece. Só uns poucos têm o domínio da situação. Até os cardeais que elegeram Melville estão alienados e é assim, a jogar para o alto a bola num campeonato de voleibol, que acabam sendo retratados.


Fernando Cyrino
Enviado por Fernando Cyrino em 08/05/2012


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